A verdade sobre a Verdade de Fullmetal Alchemist Brotherhood
Após ler esse texto diversas vezes, percebi a necessidade de adicionar um Disclaimer no início: “este texto é destinado a magistas e ocultistas, onde eu faço comparações da obra FMA B com essas correntes de pensamento.” Dito isto vamos para o Texto.
“Eu sou aquilo que vocês chamam de 'Mundo';
Outra hora de 'Universo';
Outra hora de 'Deus' ;
Outra hora de 'Verdade';
Outra hora de 'Tudo';
Outra hora de 'Um';
E por fim eu sou 'Você'.”
- Verdade, Fullmetal Alchemist Brotherhood
A Verdade é um dos personagens mais emblemáticos da obra: todo o mistério em volta da sua real natureza é explicado nos primeiros episódios. Como ele se autodescreve é: Deus, o universo, o todo e o um, eu e você. Porém, o que essas palavras de fato querem dizer? Qual a conexão da verdade com a Cabala? O que podemos aprender com as suas lições? E o que diabos é cabala? como diria Jack o estripador: vamos por parte.
O que é Cabala?
A cabala vem do hebraico, significa “receber”: se trata da absorção do conhecimento divino através de um estudo sistemático do universo e dos seus mistérios, baseado na Torá. Quando os Judeus ensinaram a cabala para os cristões, foi criado uma nova ramificação a dita: Cabala Hermética, ela é uma interpretação da cabala judaica baseada totalmente na Árvore Da Vida. A árvore da vida que é demonstrada no portão da verdade do Edward, é uma réplica da árvore da vida Judaica, onde apenas se encontram os nomes de Deus.
Ela é divida em 10 sephiroth (sephiroth, é o plural de sephirah) e 22 caminhos (representados pelas letras em hebraico), totalizando 32 Caminhos, com Daath 33. Imagine as esferas (sephiroth) como partes do espírito humano, ou como partes do universo, ou reinos distintos, na verdade elas podem ser usadas para classificar e ordenar qualquer coisa existente: indo desde um simples mapa mental até classificar o universo manifesto e imanifesto.
Neste texto não irei aprofundar sobre o sistema cabalistico, a sua complexidade é imensa e fugiria muito do tema principal, no entanto falar da Verdade sem usar a Cabala é um desperdício, então usarei uma linguagem simplificada para abordar todo o tema.
Dentro de um contexto Cabalistico, tudo emana do 1, sendo este um: o todo contido em si mesmo. um exercício rápido para entender isso: imagine um uma vila dentro de sua mente, cheia de pessoas andando de lá para cá, cada uma com sua própria personalidade e característica. Todas essas pessoas foram criadas por você, estando tudo na sua mente, elas são partes de você e a totalidade destas partes é você. Desta maneira você é o um e tudo, porém ainda você é algo que está separado da sua criação: tem algo que emana e aquilo que é emanado. Por causa disto, a Verdade deve ser tanto o microcosmo quanto o macro cosmo, sendo ele, tal forma corresponder à Verdade a Kether é um erro, pois ele não é um deus transcendente a criação, mas imanente a ela.
“um é tudo e tudo é um”, eu sou microcosmo, possuo dentro de mim um universo inteiro, sendo o um. Todos os seres se encontram neste mesmo dilema, cada um tendo a sua própria verdade sobre o universo, enxergando ela de sua maneira. Todos esses juntos formam um todo, que chamamos de Macrocosmo. Assim “um é tudo”: pois um é uma parte do tudo, sendo ele uma parte que possui em si uma totalidade; tudo é um: o todo aquele que emana todos os uns e quando tudo se junta, tornamos um. Podemos dizer então que eu e o universo somos um, não dois, não, somos nenhum.
Desta maneira a Verdade se encaixa como toda a Árvore da Vida, não apenas como Kether, pois de fato ela não apenas emanou tudo, mas ela é tudo. Podemos dizer que a Verdade é a união de Hadit e Nuit, o ponto e círculo, um e o tudo.
O Portão da Verdade
Todos os alquimistas apresentados na obra, que conheceram a verdade, possuíam o seu próprio portão da verdade, cada um deles representava o seu conhecimento e aquilo que aprendeu em sua jornada. A do Edward representa a árvore da vida; do Alphonse The Marrow of Alchemy e a de Roy Mustang um símbolo da Alquimia do fogo. Todos eles são formas de como os Alquimistas enxergavam o mundo e praticavam a Alquimia.
A Verdade apenas pode ser enxergada de maneira individual, cada um tendo a sua própria visão. Desta maneira o Homúnculo do Pote não tinha nada em seu portão, justamente por ele não ter visto nada com os seus olhos: apenas copiado a maneira como que os outros viam o mundo. Todo o poder que ele conquistou, nada foi por ele mesmo, sendo um parasita: roubando conhecimento, energia e até mesmo a forma de terceiros. Mesmo estando fora do pote, ele ainda era um prisioneiro, mas um prisioneiro de si mesmo.
O Portão da Verdade é uma representação de um sistema, ou melhor, paradigma sobre o qual o Alquimista opera sua ciência: estando fielmente ligado a sua visão de mundo. O Alquimista dedica anos de sua vida no estudo de uma área, aprendendo com mestres e então aperfeiçoando a sua Alquimia ao longo de sua jornada. Isso aos poucos vai moldando a sua personalidade e sua maneira de pensar, agir e enxergar a realidade.
Os poderes dos Alquimistas derivam deste portão, podemos fazer uma analogia entre o Portão da Verdade e os sistemas mágicos. Pense em um sistema como a goetia, ele lhe daria uma perspectiva sobre o que é magia e como operar ela. A sua Verdade estará associada ao seu sistema, assim irá interagir com a magia desta maneira. Diferentes magistas se dedicam a diferentes sistemas, cada um deles tendo a sua própria maneira de enxergar a magia, onde por fim desenvolvem o seu próprio sistema com os seus conhecimentos anteriores.
Em ato heroico, Edward sacrifica o seu próprio portão para ter de volta o corpo do seu irmão, neste momento percebeu algo: todo aquele conhecimento era inútil, aquilo que realmente importava eram as pessoas. Mesmo sabendo que esta troca faria ele perder capacidade de realizar a Alquimia, não se importou, pois percebeu que com todo este poder, não foi capaz de salvar uma garotinha que havia se transformado em quimeras, mesmo com todo esse poder. Neste momento, Edward passou a entender o que é a Magic(k).
No princípio, os aprendizes acham que tudo é possível de se atingir: apenas fazendo um ritual. Porém eles não têm a real noção dos efeitos destas práticas no universo e o caos que elas trazem. Todo o poder deles vem de algum tipo de sistema, que ajuda eles a canalizarem as forças e formas da natureza: assim fazendo os efeitos que eles desejam. Mais adiante em suas jornadas, eles percebem o caos que geraram... por fim juram nunca mais fazer magia. Daí nasce a Magic(k), como oposto a essa magia que desestabiliza o universo.
Magic(k), não é brincar de gangorra com o universo, mas está em harmonia com ele e buscar entender, sem interferir no curso natural das coisas. Como eu e o universo somos um só, a minha Vontade é a Vontade cósmica, logo ao realizar a minha vontade: vou estar em harmonia com o cosmo. Irei dar um exemplo: Meu coração está em meu corpo, todas as partes do meu corpo juntas, formam este corpo. A Vontade de meu coração é bater, ao bater ele está em eudaimonia com todo o corpo, pois ele encontra a sua função neste meio. Se o meu coração rejeitar a sua Vontade de bombear, todo o corpo entra em colapso. Por isso: “Faz o que tu queres há de ser o todo da Lei”, não faz o que lhe der na telha.
Isto simboliza o fim da jornada de Edward, podemos dizer que ele alcançou o grau de Magister Templi. Porém ainda tem toda uma jornada pela frente, para compreender a Verdade, de relações humanas e por fim atingir o Grau de Magus. Em pensar que Edward atingiu essa sabedoria cometendo erros, o maior erro dele foi ter feito uma transmutação humana.
As Transmutações Humanas
Todo o início da jornada foi causado por um puro desejo de duas crianças, buscando desafiar as leis e trazer a sua mãe de volta à vida. Eles com este ato iriam aprender uma lição mais importante: o tempo não regride e aquilo que se foi não irá mais retornar; não sendo possível trazer de volta as pessoas que amamos.
Os seres humanos ao morrer, são decompostos e retornam a fazer parte do universo. O fluxo de energia que antes lutava para se manter inerte ao ser, é transformado e não pode ser trazido ao seu estado original novamente. Nada de fato perde, apenas é transformado, isto é a morte: transformação e constantemente morremos.
Dentro do anime, não há uma diferença entre o mundo espiritual e mundo físico, tudo sendo um só reino, apenas estando dividido em graus de vibração, mas são no fim um. Isso é demonstrado quando os alquimistas são levados até o portão da verdade, seus corpos os acompanham. Al, quando perder seu corpo, continua a existir, pois os outros fluxos de energia que compunha o ser dele, foi transportado para um outro corpo artificial e então Ed sela essa alma em uma armadura. Assim Al consegue manter as suas memórias e sua mente. Podemos dizer que: a matéria é apenas o espírito tocável.
Al consegue não só se lembrar da sua vida humana, pensar e até mesmo se questionar se ainda é um humano, tudo isto por possuir uma alma. A alma pode ser definida então como: aquilo que anima a matéria, ou seja, energia. Isto explica como a Pedra Filosofal funciona, uma energia potente, capaz de ser usada como moeda de troca, que tem um fim. Quando este fim chega, significa que toda a energia deixou aquele receptáculo, alterando de estado : nada de fato se perdendo, apenas se transformando.
Ao tentar trazer um ser humano de volta à vida, somos levados a onde ele está bom… no Todo. Então temos a oportunidade de conhecer Deus, quero dizer universo? Verdade? No fim é a mesma coisa.
A Verdade
O Deus de Spinoza explica muito bem o conceito da Verdade: é toda ciência, pois todo o conhecimento está nele e é ele; é onipresente, pois todas as coisas é ele e por fim é: Omnipotente, pois toda potência é ele.
A Verdade em toda obra sempre esteve presente, não foi criada, pois sempre existiu e é ela o personagem principal da obra: pois é toda obra. Não sendo apenas a visão do Deus que temos: um ser acima das nuvens e nem mesmo tendo qualquer forma ou personalidade, cada um vê ela de uma maneira e da sua forma. Com isto até mesmo a sua voz, o que é demonstrado muito bem na dublagem original (com as duas voz do personagem, com a voz da verdade), é única para cada um.
Com isto não podemos definir a verdade, pois ela é tudo e nada, não há uma forma real para, pois nós somos seres finitos olhando para o infinito, então a nossa visão sobre o infinito será finita. Assim todos têm as suas verdades, as suas crenças e maneiras de enxergar o mundo. É bom lembrar que há uma verdade, há algo que é verdadeiro em meio a falsidade e ilusão, porém as suas ramificações são infinitas, nós apenas conseguimos perceber uma ou outra.
Isto abre para um debate levantado em FMA B: ciência x religião. Em uma sociedade onde o cientificismo se tornou o único e principal método de criação de conhecimento, a religião é deixada de lado. Não somente ela, mas também a filosofia e o misticismo: tudo por não se adequar a um paradigma científico. Dentro da obra, sabemos que há um Deus, este Deus se chama de Verdade. Os Alquimistas que conhecem a Verdade, transcende a capacidade dos outros e podem realizar a Alquimia sem o uso de círculos. Eles se tornaram uma ponte entre o espírito e a matéria, descobrindo que são um só, pelo mais terrível erro: tentar trazer um humano de volta à vida. Desta maneira são jogados no grande fluxo, se tornado parte da verdade e por fim a descobrem.
O processo de descobrir a Verdade é doloroso, pois corrói o ser por inteiro, destruindo as crenças e mostrando o que está além de seus olhos. Mesmo o que ele vê, é uma parte da verdade, não em sua totalidade: sempre havendo mais a descobrir e mais a encontrar. Isso faz com que ele constate se encontre com a sua impotência, se percebendo como um humano insignificante. No final, não somos anjos ou demônios, muito menos deuses, somos apenas humanos insignificantes: é nisto que há nossa perfeição. A Verdade não quer que nenhum humano seja como ela, ela quer que sejamos nós mesmos, autênticos e toda esta jornada é apenas um trânsito, um trânsito de um ser e de uma parte do universo, que logo deixa de ser algo e faz parte do todo, como sempre fez. Sim, somos energias em trânsito: em constante mudança e transformação.
Conclusão
É por isso que FMA B é um dos meus animes favoritos, não é apenas um anime, é uma aula de filosofia. Esse texto poderia ser um livro, mesmo assim ainda teríamos mais pontos para abordar deste anime. Essa é apenas a minha maneira de enxergar a verdade, convido a todos que leram a escrever as suas visões sobre o que foi dito no comentário, ou aqueles que preferirem escrever texto sobre, coloquem o link deles nas respostas deste texto.
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